"Viagem que é viagem só começa, nunca termina, entranha-se, adquire vida própria e, dentro, viaja."
A Estação do Calor fez a delicia de muita gente que, ao sabor dos escritos do Luís Cabral e das fotografias do Guillaume Philippe e Jordi Burch, viajaram a bordo do Falcon em 81 dias de andanças pela América Austral. Também nós degustámos licor Pisco e sentimos fervorosamente cada um desses 12 mil Km, esses 18 litros de oleo gastos, esses 9 pneus furados e os 11 mecânicos visitados. Tudo isso condimentou o nosso dia-a-dia e agora, que a Estação do Calor segue para novas paragens, cá vos esperamos com novas noticias dessa grande viagem a que chamamos vida.
Amei esse último texto do dia 81 e aqui vos deixo o mesmo mais o vídeo que o acompanha.
"As viagens nunca são o que planeamos. As viagens nunca são viagens se as planearmos geometricamente e as cumprirmos como às ordens de um comandante de excursão. As viagens são olhares. E os olhares não se planeiam. As viagens são esquinas. Nunca sabemos o que está para lá. As viagens são dureza. E são leveza. A leveza mais leve do mundo. As viagens não são longitude e latitude, meridianos e ângulos, perpendiculares e códigos postais. Isso é outra coisa. Isso são graus e traços a compasso e as fronteiras que o mundo tem.
As viagens são os pedaços de mundo, que se recolhem nos pontos inexactos e improváveis onde as pessoas se cruzam com as pessoas, deixando com elas qualquer coisa de nós, transportando nós qualquer coisa delas, em silêncios, em palavras, em gestos, em sorrisos, em coisas simples, indetermináveis, determinantes, parando em movimento, parando o movimento do comboio global e mecânico onde seguem os passageiros do quotidiano. As viagens são a alegria absoluta. E são desalento e desespero e imprevisibilidades e cansaço e força que se encontra. E saber que no dia seguinte não sabemos o caminho. E saber que há um recomeço de tudo, de tudo quanto está por ver, por saber, por experimentar, por conhecer. Viagem que é viagem só começa, nunca termina, entranha-se, adquire vida própria e, dentro, viaja. E, dentro, viaja muito depois de termos chegado.
As viagens somos nós. As viagens são sempre a nós, aos nossos confins, aos sítios de nós onde ainda não tínhamos estado. Quanto mais conhecemos do mundo, mais ele se torna maior. E nisso não existe maior grandeza.
É por isso que esta viagem não acaba aqui. Recusamos que acabe aqui e assim. Redundante, pois, dizer que o Estação do Calor vai continuar a ser um espaço de viagem, sem rota traçada, mas com longo caminho para andar. Há uma série de reportagens, que iremos publicar neste site e na revista Visão. E há ainda muito, muito, muito para ver. Será exactamente aquilo em que se transformar.
E, mesmo correndo o risco de parecermos um jogador de futebol perante a taça, queremos agradecer a todos quantos continuam a acreditar na raíz quadrada do homem, em todos os que sabem que Chagall não é o nome de código de uma célula terrorista, que os caminhos feitos são infinitamente menores do que aqueles que estão por fazer, que os países não se medem aos palmos, que a grandeza é feita de coisas pequenas, que as frases têm pontos, antecedidos de vírgulas, a viajar para um parágrafo, que simplesmente procura outra frase.
Um abraço do tamanho do mundo para todos quanto viajaram connosco. Um abraço especial para aqueles que sabem que nós sabemos que estiveram dia e noite connosco, que foram ânimo no nosso desânimo, alegria na nossa alegria, solução no nosso problema."
Extraido de Estação do Calor, dia 81.
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